10 de agosto de 2012
Avá-canoeiro, o retrato do abandono, por Walter Sanches
Palavras de quem convive de perto com uma familia massacrada pelo homem branco, onde perderam tudo , até a dignidade de viver como indígena.
Emocionante relato do amigo Walter Sanches:
Quando apagavam-se as luzes do ano de 2009 (embora muitas já se acendessem para o "réveillon"), os índios brasileiros foram surpreendidos por uma triste e brutal notícia: através do Decreto nº 7056, publicado no dia 28 de dezembro, os Postos Indígenas da Funai estavam extintos.
Esses postos, atuando em todos os rincões do País desde os tempos do SPI (Serviço de Proteção ao Índio), eram, praticamente, o único, visível e alcançável instrumento com que os índios podiam contar - e sempre contaram - na hora do aperto.
Na terra Indígena Avá-Canoeiro, situada nos municípios de Minaçu e Colinas do Sul, Norte goiano, onde trabalhamos, o efeito foi devastador: a Barreira Fiscal de proteção à "reserva" e aos índios Avá (mantida, até então, pelo extinto posto) foi destruída por vândalos - que se encorajaram com o momento oportuno. Invasores sentiram-se à vontade para adentrarem a terra e nela instalarem-se, não havia mais obstáculo para isso.
Sem recursos que lhes cheguem às mãos e sem ter como obtê-los, o pequeno grupo étnico Avá-Canoeiro hoje, dois anos e meio depois do tal decreto, doente e debilitado sobrevive da caridade pública e de ações filantrópicas - quando aparecem.
Eles que já são sobreviventes de inúmeros massacres e emboscadas e de impactos ambientais causados pelas hidrelétricas em suas terras.
Existe na Funai uma forte corrente contra aquilo que convencionou-se chamar de "paternalismo" ou seja: defensores da filosofia de que não se deve dar o peixe ao indivíduo e, sim, o anzol. Essa filosofia e esse procedimento, entretanto, não são válidos para os funcionários da Casa. Dependendo do cargo que ocupam, fazem questão de proteger, presentear e trazer de volta os velhos amigos aposentados, conferindo-lhes novos salários ou pagando diárias para quem nada tem o que fazer em determinados lugares - mas gosta de pescar ou "encher a cara" nas cidades do interior. Contanto que sejam todos da mesma confraria indigenista - e da mesma escola. O antipaternalismo desses servidores só funciona em relação aos índios.
É certo que a instituição já vinha "capengando" ao longo do tempo, mas o Decreto 7056 quebrou sua espinha dorsal. E os problemas sociais decorrentes da falta de acesso às políticas públicas voltadas à valorização e a autosustentabilidade dos povos indígenas têm levado a casos extremos, como os dos diversos suicídios ocorridos nos últimos anos entre jovens Karajá, na Ilha do Bananal/TO. Esse descontrole emocional, segundo relatam familiares das vítimas, é causado pelo abandono por parte do Estado, pela falta de perspectivas e ações que possam promover a saúde, a educação, o esporte e a profissionalização dos jovens indígenas.
Não há Regimento Interno na Funai, e seus próprios servidores não são capacitados para o exercício de suas funções - assim como não existem critérios técnicos para a distribuição de cargos em comissão. E, por ironia da sorte, o Decreto 5076/09, arvorando-se em reestruturação do órgão, desmantelou o pouco que ainda funcionava com o aprendizado dos anos - cabendo às comunidades indígenas a penalização maior.
Walter Sanches é Técnico Indigenista
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